30 maio, 2008
Defino o método paranóico-crítico como a grande arte de jogar com as próprias contradições, pela lucidez, fazendo os outros viverem as angústias e os êxtases de nossa própria vida, que se lhes torna, pouco a pouco, tão essencial como as deles. Concebi muito cedo, instintivamente, minha fórmula de vida: fazer os outros aceitarem como naturais os excessos da minha personalidade e livrar-me das angústias, criando uma espécie de uma participação coletiva.
Uma tarde, no colégio de irmãos maristas de Figueras, ao descer a escada de pedra para o pátio do recreio, tive vontade de me lançar no vazio. A covardia me paralisou. Mas no dia seguinte, saltei e caí nos degraus, todo machucado. (...) A compensação que obtinha era bem maior que o sofrimento. Aconteceu-me muitas vezes, cedendo a um súbito impulso, jogar-me do alto do muro no vazio, como para experimentar o maior perigo possível e acalmar a angústia do meu coração.(...) Fazia com que todos reconhecessem o meu delírio, com que o aceitassem e os obrigava a partilhar do mesmo transe. Foi assim que esta paixão pela morte tornou-se uma alegria espiritual. E isso é tipicamente espanhol. Não se trata, para mim, de “manter lucidez”, como diria Montaigne, a quem desprezo pelo espírito pequeno-burguês, pela tentativa grotesca de disfarçar a morte, de priva-la do seu sabor, de dominar o seu horror. Eu quero olha-la de frente. (...) Minha alma se fortifica com aquilo que a esmaga e encontra volúpia sublime no que a anula. A própria fraqueza se torna a minha força e me enriqueço com minhas contradições. Vivo com os olhos bem abertos e lúcidos, sem vergonha, sem remorsos, e torno-me expectador da minha própria existência.
As confissões inconfessáveis de Salvador Dali,
Texto apresentado por ANDRÉ PARINOUD
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