29 novembro, 2009

O disco: forma de arte contemporânea ou peça de marketing da indústria cultural?

No século XX o desenvolvimento tecnológico possibilitou a gravação dos sons, o que mudou radicalmente a maneira como as pessoas ouvem música. Até então, a música só era ouvida quando tocada ao vivo. Desenvolveram-se os meios de transmissão de som, telefonia, rádio, o disco começou a ser comercializado e logo as gravações se popularizaram. Houve compositores de música séria, por assim dizer, que a experimentaram com as possibilidades inovadoras de manipulação dos sons trazidas com as gravações. Na música pop, surgiram álbuns conceituais. Há algo de artístico na ordenação das canções contidas em um disco, no seu conjunto como um todo, como na compilação de poemas em um livro. Mas o disco pode ser encarado também como simplesmente um instrumento de divulgação de um músico ou banda. Afinal, somente quando executada ao vivo a música é realmente viva. A gravação, por mais bem feita e mixada que seja, é um registro que acaba abafando a execução. É música enlatada, emprestando a declaração de Cage. Mas a discussão não se limita aí. Pode-se estender a comparação às artes visuais, por exemplo. Uma fotografia e uma pintura obviamente não são a paisagem em si, mas um registro ou representação dela, e nem por isso deixam de muitas vezes serem consideradas arte. De qualquer jeito, já vivemos a tal ponto em um mundo de simulacro que a própria relevância de uma consideração desse tipo é discutível.

28 novembro, 2009

eu não sou autoridade para a morte

w_pinesapam-jeca
Esse é o personagem da minha próxima publicação, que tem me dado algumas insônias delirantes nos últimos dias... Tem mais em Território Marginal.

25 novembro, 2009

Verborragia marginal: Crack e filosofia cristã na periferia do mundo industrializado

Guido Campos, 26 anos, taubateano, viveu a adolescência em um bairro pobre, São Gonçalo. Ali teve seus primeiros contatos com o rap. Imergiu ativamente na cultura hip hop de 1995 a 2005, tendo fundado grupos como Ponto 50 e Na Mira do Rap. Realizou trabalhos sociais na comunidade por seis anos, conheceu as drogas e, depois de passar por experiências devastadoras com o crack, decidiu lutar pela consciência do menos favorecido. Hoje busca se firmar como escritor de literatura marginal, vem participando de saraus, festivais de literatura e expondo seus trabalhos em eventos culturais locais. Alguns de seus escritos podem ser lidos em seu blog pessoal <http://www.guidocampos.blogspot.com> e no site <http://recantodasletras.uol.com.br/autor.php?id=13890>.

Livros escritos:

4+1 drogas e poesias
A cidade de Livertow
Lendas urbanas

Jecablog: Defina arte.
Guido Campos: Eu defino arte como expressão da alma, algo que emerge do ser humano chegando a ser transcendental, acredito que seja a fala entre a alma e o corpo.
Jb: Você acredita em uma separação da alma e do corpo?
GC: Não, por mais que na primeira pergunta a resposta mostre um dualismo, não acredito, acredito que somos um todo. Até podemos melhorar a primeira colocando que a arte seria a fala entre a alma interna com a alma externa.
Jb: Um diálogo.
GC: Sim, podemos dizer que sim.
Jb: Mas então o que você chama de alma interna e externa?
GC: Duas pessoas. O eu interior interagindo com o seu EU, que para mim é exterior.
Jb: Você está dizendo que a arte só existe na relação com o espectador?
GC: De forma alguma. A arte surge no indivíduo, mas ele sente necessidade de expor, de transmitir isso, talvez por uma força maior que ele mesmo nem saiba explicar, ela por si só emerge. A arte não é estática.
Jb: E o que você está chamando de alma interior e alma exterior, e o diálogo entre elas, então?
GC: acredito que o que chamo de alma interior é quando quero falar da pessoa como um todo, e muitas vezes a arte se torna esta ponte, sabe, entre um e outro.
Jb: Um meio de comunicação?
GC: Sim, claro. Uma ferramenta a mais que o ser tem para se comunicar.
Jb: Então para você arte é somente um meio de comunicação?
GC: Não somente, isso seria esterilizar a arte. A arte é também expressão do ser, não só uma comunicação entre os seres, mas também é uma comunicação entre o ser e o mundo e principalmente com ele mesmo. Fala-se através da pintura, da dança, fala-se através da música, eu falo muitas vezes através da poesia, dos meus pensamentos escritos. Eu falo através de um conto.
Jb: Então também é uma ferramenta de autoconhecimento.
GC: Podemos dizer que a arte é uma ramificação da vida. [pensa] É a vida sendo contada de diversas formas. Por ser ramificação da vida, dentro dela temos a essência do TODO, algo divino e que se expressa num ser, porque ela só é vista através do artista ou de um olho artístico.
Jb: Então você relaciona a percepção artística a algo divino?
GC: Sim, claro, acredito que vem de um ser maior esta força ou forma de comunicação. A inspiração é algo espiritual, ao meu ver.
Jb: Qual a diferença entre escrever rap e escrever "literatura"?
GC: É muito diferente. Quando escrevo rap, já tenho um público-alvo [definido]. Por mais que música seja universal, dentro deste universo temos estilos e denominações, as letras são focadas para esse público, têm um cunho social pesado. Agora quando faço literatura e julgo meu trabalho como trabalho literário, acredito eu que a cobrança é maior. Estou escrevendo para pessoas que gostam de ler, que vão interagir com aquilo, vão conversar com o autor, irão questionar. Acredito que é diferente a forma que o autor se comporta com seu trabalho para dois públicos distintos.
Jb: Por que no caso do rap as pessoas não iriam interagir, conversar com, ou questionar o autor?
GC: Acredito que no rap o público massa não se preoculpa tanto em procurar saber o por que quelas palavras estão sendo escritas ou cantadas, não digo todos, existe um público pequeno do rap que faz isso, mas a maioria está ali para dançar no ritmo da batida e se dizer parte daquele clã.
Jb: Certo. Aí a gente volta à relação da arte com o espectador, ao seu aspecto comunicativo.
GC: Acredito que o artista fala e fala muito, o problema está no ouvinte. No rap são poucos os que valorizam o que o artista está dizendo. Se existe esta relação entre arte e espectador, acredito que esteja bem pobre tudo isso.
Jb: Se arte é comunicação, essa relação é pré-requisito.
GC: Não necessariamente. Posso me comunicar sem ser escutado, o outro não me anula.
Jb: Há uma pergunta antiga que diz: Se uma árvore cai no meio da floresta, e ninguém está lá para ouvir, ela fez mesmo barulho?
GC: Legal essa pergunta. Sim, acredito que ela fez. O fato de não ter ninguem para ouvir a queda dela não anula o ato.
Jb: Mas então você acha que é necessária uma percepção, uma consciência "artística", por assim dizer, da parte tanto do artista quanto do espectador?
GC: Tem um poeta taubateano, Claudio Pena, que diz a arte é algo inútil.
Jb: Acho que ele é gaúcho.
GC: Risos
Jb: Você mencionou que muitos no rap estão lá na cena para sentirem-se parte de um clã.
Isso me remete à função tribal dos primórdios da arte.
GC: Sim.
Jb: Nas cavernas.
GC: Hum.
Jb: Nos rituais. O que teria relação com o tal caráter divino mencionado.
GC: Como assim, Saulo? [pensa] Talvez a música seria a relação. A dança.
Jb: Sim. Mas também os desenhos, que são os ancestrais da escrita.
GC: Claro.
Jb: Os símbolos. E também as histórias contadas oralmente.
GC: Sim, a tradição do diálogo nasce através dos contos contados.
Jb: Pois é.
GC: Da história do povo.
Jb: Outra função que se associa à arte primitiva é incitar os espíritos à guerra e à caça.
GC: Sim, claro, acho por isso que ela é uma ramificação da vida, pois em tudo a encontramos.
Jb: O que você pensa do crack como fonte de inspiração?
GC: Acho que não tem nada a ver com fonte de inspiração, acho que o crack é a fonte da perdição. Risos
Jb: E a arte da perdição?
GC: Temos este poder, do trágico extrair arte.
Jb: Nesse sentido arte não é apenas algo divino.
GC: Meio William Blake, né? Ela habita os dois universos.
Jb: Ele procura reconciliar corpo e alma.
GC: Inferno com o céu.
Jb: O que você acha que leva as pessoas a fazerem uso de sedativos e substâncias que alteram a percepção da realidade?
GC: Hoje vejo que está ligado a uma fuga dos sentimentos, sabe? Uma falta de habilidade para lidar com alguns sentimentos, frustrações, aceitação, essas coisas. Fora isso temos a questão social, e essa aborda outros tópicos, cultura, pobreza, essas coisas. Acho que cada caso é um caso e precisa se ver o porquê, sabe?
Jb: Mas também é possível generalizar.
GC: Não sei, não. Generalizar sempre é perigoso.
Jb: Você conhece o livro Admirável mundo novo?
GC: Não.
Jb: Em Admirável mundo novo, Aldous Huxley descreve um mundo no qual a sociedade é toda controlada e estratificada, os nascimentos das crianças são todos feitos em laboratório, e as pessoas vivem em um ambiente como de fábricas, submetidas a uma ordem imposta, inclusive com referências nominais a Ford. Tudo é organizado em função da produção, estilo linha de montagem. Para manter as pessoas sob controle, o governo fornece soma, uma droga para as pessoas.
GC: Retrata bem o mundo atual. Na verdade é vantajoso para a elite dominadora ter pessoas dopadas e anestesiadas de tudo, que se tornam escravos deles de uma forma ou de outra. Por mais que a droga tenha o poder de anular a pessoa como produtiva na sociedade, ela também tem o poder de calar o talento que esta pessoa pode ter.
Jb: Na Antiguidade, os romanos ofereciam o pão e o circo. Hoje em dia, a televisão e a mídia mantém um suprimento constante de estímulos sensoriais para a população, igrejas evangélicas pipocam em grande número oferecendo a salvação, e o comércio de drogas (tanto do narcotráfico quanto da indústria farmacêutica, de bebidas e tabagista) abastece grandes massas mundialmente.
GC: Sim, poder paralelo.
Jb: Paralelo ao governo oficial, você diz?
GC: Sim.
Jb: Na Idade Média a Igreja detinha o monopólio da verdade e da fé na Europa e mantinha a população sob controle utilizando-se de símbolos sagrados e rituais.
GC: Onde você quer chegar?
Jb: Você acha que a civilização, conforme foi sendo criada pelo homem, o fez afastar-se da natureza e de si mesmo, criando uma necessidade de recorrer a anestésicos a fim de aliviar o contato com a realidade, para que o homem se mantenha afastado de si mesmo, de seu potencial mais sublime, e da natureza?
GC: Acredito que na verdade antes tinham a ideia de se dopar para transcender, era uma forma de transcender, mas depois a indústria, o homem moderno, viu que também dava para ganhar dinheiro com isso, acho que a evolução trouxe isso, o homem é curioso, e tem um ditado que diz a curiosidade matou o gato.
Jb: Você acha que a civilização é fruto da curiosidade?
GC: Acho que a civilização é fruto da evolução, e esta surgiu através de um olhar curioso.
Jb: Desenvolva isso.
GC: Acho que o homem quando morava em árvores teve curiosidade de descer delas e ver o que o sustentava, e desceu, ganhou outra forma de visão. Isso lhe deu capacidade de raciocínio, uma vez que seu cérebro se posicionou de outra forma e daí foi...
Jb: Muito interessante, talvez metaforicamente...
GC: Então agora a pergunta é: será que descemos realmente das árvores?
Jb: Essa hipótese do homem morar nas árvores não implica em que ele nunca pisasse no chão.
GC: Falo no sentido da arrogância do homem, sabe? Eu apenas fiz uma metáfora.
Jb: É, mas depois que o homem desceu da árvore dizem que foi para as cavernas, e também andava em bandos, em tribos...
GC: A sociedade nasce assim.
Jb: E colhia os alimentos na floresta, o que a natureza oferecia para ele.
GC: Depois veio o estoque.
Jb: Exato.
GC: E depois a troca...
Jb: Mas antes do estoque, houve uma tentativa de controlar o ambiente para que produzisse o alimento.
GC: Hum.
Jb: A necessidade de controle externo origina-se da negação do presente eterno, do medo, da ansiedade, e da ânsia por conforto e facilidades. Que acha disso?
GC: Acredito que está certo, o controle traz para o homem um sentimento de divindade, e isto o homem busca desde os primórdios, busca entender o universo, a criação de Deus. É a busca pelo entendimento de DEUS, saca?
Jb: O controle seria talvez o fruto da árvore do conhecimento. Cuja ingestão levou metaforicamente à queda.
GC: Sim, claro, existe essa briga.
Jb: Que briga?
GC: Pela busca do poder. Tem o lado do conhecimento. Existe aquela frase, acho que nasceu no positivismo, "conhecimento é poder".
Jb: Poder e controle sobre o ambiente externo. Essa é do Francis Bacon.
GC: Hum. Onde chegamos até aqui?
Jb: Coloco essa associação da metáfora da ingestão do fruto da árvore do conhecimento com o controle sobre o ambiente externo pois ambos representam a negação do que simplesmente é oferecido ao homem. Antes, no Paraíso, o homem não tinha que trabalhar, comia o que a natureza oferecia. Depois, com a agricultura, é necessário trabalhar pelo sustento.
GC: Sim...
Jb: Você acha que os chamados anestésicos visam, de maneira geral, suprimir os medos e os impulsos primordiais do homem?
GC: Acho que o objetivo é anular o homem como um todo.
Jb: E mantê-lo afastado de si e imerso na loucura.
GC: Sim, claro. O homem que não se introduz, não se questiona, está morto espiritualmente.
Jb: Como assim não se introduz?
GC: Não faz uma reflexão sobre si mesmo.
Jb: Então toda a construção social em que vivemos é essencialmente fundamentada na loucura?
GC: Não sei dizer se é, o que sei dizer é que hoje viver é uma loucura.
Jb: De que forma seus estudos teológicos se relacionam com a sua produção escrita?
GC: Quando vou escrever algo que esteja relacionado a espiritualidade, hoje tenho maturidade para distinguir bem o que é céu e o que é inferno.
Jb: Quer dizer que você experimentou o fruto da árvore do conhecimento?
GC: Acho que fazer literatura marginal tem tudo a haver com teologia, sabe? Teologia pode estar classificada como ciência, mas antes de mais nada é algo que nasce do povo, da ânsia de entender o DIVINO, e muitas vezes isso é marginalizado numa passeata num dia santo, sabe? E por aí vai, falar do cotidiano e do humano me fascina, por isso tenho em mãos um arsenal pesado, que exige responsabilidade. Porque quem faz a história não é Jesus, e sim o povo que fala dele, então eu tenho a missão de contar sobre os que fazem a história, o POVO.

24 novembro, 2009

A fronteira sem portões --- 14

14. Nanquan decapita o gato

O venerável Nanquan, como viu as salas leste e oeste discutindo por causa de um gato, pegou-o e disse, “Se a grande assembleia for capaz de falar rapidamente, o gato pode ser salvo, mas se não for capaz de falar rapidamente, então ele será eliminado por decapitação”. Ninguém da assembleia respondeu, então Quan executou a decapitação. À noite Zhaozhou voltou, vindo de fora do templo. Quan contou-lhe sobre o incidente. Zhou tirou suas sandálias, tranquilamente colocou-as sobre a cabeça e saiu. Quan disse, “Se você tivesse estado lá teria salvado o gato”.

Wumen diz:

Apenas diga, qual é o significado de Zhaozhou colocar suas sandálias em cima da cabeça? Se para dentro puder dizer uma palavra de mudança, então verá que o decreto de Nanquan não foi um ato vão, e nesse caso talvez ele não seja perigoso.

A canção diz:

Se Zhaouzhou estivesse lá,
Teria virado o decreto ao contrário,
Tomando e removendo a lâmina,
Deixaria Nanquan implorando por sua vida.
INENARRÁVEL foi o lançamento do álbum de quadrinhos 7Dayz, no final da tarde daquela quarta-feira, 18 de novembro, no curso de arquitetura e urbanismo da UFC. Por isso mesmo, nada melhor que imagens que falam por si, veja você mesmo! Acompanhe também o podcast da entrevista realizada pelo site www.armagem.com
Para adquirir o seu acesse: http://quadrinhos7dayz.blogspot.com/

20 novembro, 2009

12 novembro, 2009

Jecaradio - uma antena parabólica enfiada na roça


MusicPlaylist
Music Playlist at MixPod.com



Cada som aí tem um porque...hehehe
-esse primeiro mash up é pq é bacana, mistura tres sons foda
-essa do LCD é pq é foda!hahahaha...
-beatles pq é beatles,rs...mas eu canto esse som muito pra mim as vezes
-gimme danger foi pelo show q rolou sábado...no show de 2006 ele não tocou nenhuma do raw power. esse show foi bem mais foda!
-shoot speed o primal tocou sábado tbm e foi muito animal
-essa do sonic no show de sábado...uma das melhores...chovendo...a kim doidona dançando...lembrava a nico!!?
-stop! do janes addiction...foi no mesmo dia do planeta terra...tive de escolher...espero q volte um dia
-e essa é top five do ac/dc na minha opnião. seria muito massa se eles tocassem ao vivo. isso. ao vivo. finalmente verei ac/dc..antes q eles morram.

espero q gostem.

Feijoada Polifônica

04 novembro, 2009

O jéca e o tinhoso

Vinha o jéca voltando de um fim de tarde infrutífero de mãos abanando sem ter pego nem lambari naquele córrego. E fazia sol. O jéca é ecologicamente sustentável mas não tem dó dos bichinhos — aliás nem pensa neles, nem pensa mesmo, vai pensar em bicho, peixe e frango é comida, cachorro não, e pronto. Afinal, peixe é fruta que nada. Enfim, alheio à própria cultura na qual vive imerso, vinha o jéca voltando daquela pescaria mal-sucedida. E trilhando a picada de chão sob o sol do fim de tarde ainda matutava o que ia dizer pra patroa por que voltava de mãos abanando. E uma nesga de medo, chamado eufemisticamente de receio muitas vezes, preocupava o jéca. E vinha matutando mentiras na lata de jéca pescador de córrego. A mentirinha era fácil de enganar a mulher, o pior mesmo era o que ele ia comer. A feira na cidade ainda estava longe lá no sábado, então já viu. Nessas cismas vinha andando, entre pedras e árvores caminhando pelo chão de terra, na trilha que percorria no fim de tarde debaixo do sol.

Eis que aconteceu o evento temático deste pequeno conto narrativo. Após virar uma curva com uma pedra de tamanho razoável, de altura maior que a de um homem médio, à margem da trilha de chão, o jéca deparou-se com um tipo de paletó preto e calças pretas e chapéu preto parado na trilha. O jéca olhou para o rosto do tipo, evidententemente o tinhoso evidenciado no título do conto, que sorria mostrando os dentes, e soltou um cumprimento bastarde típico da roça. Sentia uma estranheza naquele momento e mais uma ponta de medo — o jéca além de acomodado no canto era covarde — e fez que ia passar pelo tipo. Mas o cabrunco respondeu ao cumprimento e com sua postura firme impôs sua presença e perguntou o que o jéca vinha cismando. Uma conversa mole seguiu-se, e o jéca seguiu andando contente o seu caminho com um peixe grande na sacola e uma heróica história de pescador na cachola. Até aí não se preocupava com seu futuro destino faustiano e saboreou seu jantar sem culpa cristã. Assim a falsa tranquilidade da cachaça e da preguiça do jéca continuavam a envolver sua vida sem que ela de fato medrasse, até sua morte. E o progresso continuava avançando e engolindo essas paragens, e o jéca já sonhava com um emprego assalariado na indústria automobilística, porque o imposto da roça já estava alto e as vendas na feira não davam mais pra nada. E assim o jéca ia pro inferno.