19 outubro, 2009

Re: Mais cult do que roots [4]

Saulo,

O que mais me encuca e me intriga dentre as análises socioeconômicas que seu post gerou no Jecabit é a afirmação do Juninho de que os colecionadores, fabricantes e vendedores de vinil são parte da elite e, como tal, são egoístas, mesquinhos e demagógicos. [...] "demagógico" é em geral o atributo de um discurso ou de uma ação (como uma lei), não de pessoas. "Egoísta" e "mesquinho" já são palavras por demais subjetivas e emotivas. Fica difícil saber de que características mais exatamente das elites ele está falando. O que salta aos olhos é o tom ressentido do comentário. Pra mim, particularmente, egoísmo e mesquinhez são atributos essenciais, daquilo que os religiosos chamariam de alma ou espírito individual, e pra mim indicam falta de caráter. O que já leva o debate pra outra seara, muito distante da política ou da economia. Num sistema perverso e malvado, existem classes que são agentes da opressão, ou dela se beneficiam, ou colaboram para a legitimação ideológica do sistema. Mas acusar uma classe social de ser perversa ou malvada é manobra apelativa típica da liderança sindical mais vulgar, diante da platéia mais ignorante possível. A partir dum certo ponto estamos falando de pessoas, não de abstrações. Diferentemente de "pessoas que ganham entre 5 e 20 salários-mínimos" os colecionadores de vinil, por exemplo, constituem um perfil bem mais tangível, são pessoas bem próximas de vocês.

O tipo de discurso do Juninho sempre leva a isso: um sujeito é encaixotado dentro de uma generalização ofensiva, fica puto, e a troca de ideias morre. Por que eu, que sou dono de um sebo, gastaria meu tempo pra debater com um cara que me trata, e aos meus colegas de profissão, de maneira tão desrespeitosa? Porque conheço o Saulo desde que tenho 15 anos, e com ele já me diverti à beça no passado, só por isso. Esse tipo discurso raivoso fica até muito bonito em artistas jovens, cuja genialidade se expressa com a iconoclastia típica de quem está para criar os paradigmas de amanhã. É o caso do Juninho? Espero que sim.

No sebo que administro, estava outro dia discutindo o sistema de cotas com um historiador especializado na Índia (onde nasceu o sistema, quando os ingleses tentaram dar concretude ao sistema de castas, que existia de fato mas não como realidade jurídica). Ele disse num momento que existia um sistema de cotas para brancos nos concursos públicos. Minha resposta foi: "não confunda as coisas. Mesmo que você argumente a existência de estruturas ou fenômenos sociais que produzem um efeito igual ao que produziria um sistema de cotas, ISSO NÃO TORNA VERDADEIRA a afirmação de que existe um sistema de cotas para brancos no Brasil. Não existe, essa é a verdade."

(Aliás, quando alguém começa a duvidar da possibilidade de se distinguir entre verdades e mentiras, aí é mesmo que a conversa leva um tiro na nuca. Quando alguém tenta uma estratégia tão escrota como essa pra esconder sua falta de argumentos eu não brigo mais. Me calo, pico a mula.)

Para quem gosta de metáforas e frases de efeitos, para quem quer fazer drama, a poesia é um campo mais indicado do que a discussão política.

Maurício

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