Após umas palavras rápidas ontem com o camarada Victor Di Lorenzo, do Jecatron Soundsystem, fiquei pensando em quantos conceitos errados se embasa a cena jéca. De qualquer modo, talvez essa total imprecisão e gambiarra conceitual, esse qualquer coisa tá valendo, seja justamente o que distinga e caracterize a cena.
Quando a tal cultura soundsystem começou nos saudosos, otimistas e grilescos anos 60, não havia outra opção para reprodução sonora além do disco (a fita magnética não era tão popular, era mais utilizada em estúdio). Os caras lá na Jamaica montavam seus sistemas com o que lhes era acessível, e mandavam ver. Conforme a dedicação, investiam mais neles, mas o que importava mesmo eram as festas.
Com o desenvolvimento da tecnologia de acesso popular, surgiu uma outra cultura, a dos audiófilos. Trata-se de uma abordagem bem mais técnica, os caras preocupados com a qualidade sonora, buscando caixas, cabos e agulhas de qualidade superior, que conversam sobre os equipamentos disponíveis no mercado e discos raros conseguidos com muito esforço, e até sobre os detalhes técnicos das gravações. O foco aí são os equipamentos e a qualidade do som, além dos discos e das gravações --- cara, que tu achou do sistema com caixas em crossover que a Sony lançou? Ah, perde um pouco dos médios, precisam equilibrar melhor...
Claro que essas abordagens acabam se misturando, a fala seguinte poderia ter sido proferida tanto por um festeiro que monta um soundsystem quanto por um audiófilo colecionador de discos: --- descolei a edição original do single de Caravan of Love, dos Housemartins! [...] Não tá ligado? Foi a única canção deles que atingiu o número 1 da lista de singles britânicos... e, ironicamente, é um cover, do Isley-Jasper-Isley...
Mas o ponto é que hoje o disco de vinil já não é o meio mais comum para gravações sonoras --- pelo contrário, é restrito aos colecionadores que se dispõem a se aventurar por sebos empoeirados em busca de edições raras e obscuras ou aos aficionados que dispõem do cacife necessário para pagar por prensagens novas. Ou seja, virou artigo de luxo, enquanto o mp3 reina como principal e mais popular meio de difusão das gravações no século XXI.
Então, dizer que é roots usar discos de vinil novos e tocadiscos com tecnologia de ponta denota um foco na forma que não leva em consideração o conteúdo, pois a ideia original dos soundsystems jamaicanos não era baseada em equipamentos acessíveis apenas a uma minoria economicamente privilegiada. Pelo contrário, a ideia era mais voltada para a realização de festas a baixo custo, principalmente em bairros pobres, utilizando os equipamentos que estivessem disponíveis. Por acaso na época o disco de vinil era o meio de gravação vendido no comércio de massa; hoje o meio está restrito.
Portanto, cabe mais aí o termo cult para a utilização do vinil do que o termo roots. É mais importante pensar na raiz da ideia, e não no material que era utilizado, pois o material é mais impermanente (está mais sujeito às mudanças do tempo) do que a ideia. Falta levar mais em consideração o ambiente da cena jéca --- algo entre a periferia suburbana e a roça --- e as condições atuais da cena da produção sonora e da indústria cultural mundial ao aplicar ideias de outro ponto do continuum espaço-tempo.
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Um comentário:
é aquela historia...em terra de surdo...quem tem um fone technix é rei, hehehehehehe
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