10 setembro, 2010

Mentiras industriais

Em 1981 em Detroit, a famigerada capital industrial estadunidense do automóvel (não por acaso berço do morto-vivo cibernético Robocop), Richard Davis, um ex-combatente do Vietnã, sob a alcunha cabalista de “3070”, e seu colega de faculdade Juan Atkins, inspirados por interesses comuns, como as ideias futuristas de Alvin Toffler, teórico da era da informação, autor dos livros Future Shock [Choque do futuro] e The Third Wave [A terceira onda, uma referência à sociedade pós-industrial], iniciaram um grupo pioneiro do electro e da estética afrofuturista. Cybotron está bem na origem do techno. Seu disco Enter foi lançado em 1983, mesmo ano da publicação de Neuromancer, de William Gibson. O duo se desfez logo, e Atkins continuou com seu Model 500 e hoje é aclamado como fundador do techno, juntamente com Derrick May e Kevin Saunderson, com quem tocou nos Belleville Three. Algumas palavras de Atkins extraídas do artigo de Jon Savage “Machine Soul: A History of Techno”:

“Sempre fui um amante da música. Tudo tem um efeito subconsciente no que faço. Nos anos 1970 eu curtia Parliament, Funkadelic; voltando até ’69 eles estavam fazendo discos como Maggot Brain, America Eats Its Young [Cérebro de larva, América come seus jovens]. Mas se você quer saber a razão pela qual isso aconteceu em Detroit, tem de olhar para um DJ chamado Electrifying Mojo: ele tinha cinco horas todas as noites, sem restrições de formato. Foi em seu programa [de rádio] que ouvi Kraftwerk pela primeira vez”. Sobre 3070, Atkins diz: “Ele era muito isolado. Tinha um dos primeiros sequenciadores Roland, um Roland MSK-100. Eu estava por aí quando você tinha de ter um baixista, um guitarrista, um baterista para fazer discos: você tinha todos esses egos voando ao redor, era difícil obter um pensamento consistente. Queria fazer música eletrônica mas pensava que você tinha de ser um programador de computador para fazer isso. Descobri que não era tão complicado quanto pensava. Nosso primeiro disco foi ‘Alleys of Your Mind’ (Becos de sua mente). Ele vendeu cerca de 15 mil cópias na região local”.

Charles Johnson é o nome do dj Electrifying Mojo mencionado por Atkins. Dj no primeiro sentido do termo: um radialista, em seu programa costumava rodar discos inteiros. Ele é citado como uma grande influência na cena de Detroit. Aqui vale incluir também a famosa citação de Derrick May, que diz que o techno é, “assim como Detroit, um erro completo. É como George Clinton e Kraftwerk presos em um elevador”. Uma afirmação bastante lúcida, afinal trata-se de um som claustrofóbico característico de um estilo de vida nada saudável.

Cybotron tem uma canção chamada Techno City, considerada por Savage a que lançou o gênero techno. Atkins dizia que apesar da decadência Detroit estava se reerguendo, e chamava a cidade de Techno City. O projeto do Cybotron era “altamente conceitual”, de acordo com Simon Reynolds, autor de Generation ecstasy: into the world of techno and rave culture [Geração ecstasy: no mundo do techno e da cultura rave]. Richard Davis provavelmente fritou de ácido no Vietnã. Adorava Jimi Hendrix, como muitos naquela época. “Davis havia remendado um estranho credo pessoal a partir de The Third Wave, de Toffler, e do Zohar (a ‘bíblia’ da cabala clássica judaica). A ideia central era que por meio da ‘ligação interfacial da espiritualidade dos seres humanos na matriz cibernética’, você poderia se transformar em uma entidade supra-humana. Alinhado com a numerologia do Zohar, Davis mudou seu nome para 3070".

A divisão de funções aparentemente era bem nítida: enquanto Davis desenvolvia a base de ideias, Atkins estava focado em fechar os discos, em fazer as faixas do Cybotron funcionar como dance music. Eles estavam tão envolvidos no projeto que chegaram a elaborar um vocabulário próprio:

“Sempre estivemos ligados no futurismo. Tínhamos uma série de conceitos para o Cybotron: todo um dicionário de linguagem tecno, uma ideia geral que chamávamos de a Grade (the Grid). Era como um vídeo game no qual você entrava em diferentes níveis” , diz Atkins. “Concebíamos o ambiente como sendo uma Grade de Jogo. Certas imagens em um programa de vídeo são referidas como ‘sprites’, e o Cybotron era considerado um ‘super-sprite’ com poderes extraordinários”.

Veja um vídeo do grupo, Industrial Lies, faixa criada por 3070 que consta no disco Enter:



Industrial Lies

My conservative reactionary friend,
the ends done justify the means you understand,
you take the butter from the table by a gun,
you think the status quo will be there when you're done,
you buy the missile, buy the laser, buy the tank,
evict the widow, put the money in the bank,
you do it all in the name of economics: economics, economics, economics.

Well, it's just industrial lies,
hidden behind your eyes.
Well, it's just industrial lies
hidden behind your eyes

maximise
profitize
exploitation
take what you want, leave the rest behind
take what you want, leave the rest behind

Agradecimentos a Max Polun do blog reality and fantasy, aparentemente o único site a conter a letra na internet: http://realisy.blogspot.com/2008/07/cybotron-lyrics.html



Mentiras industriais

Meu amigo conservador reacionário,
você entende que os fins realizados justificam os meios,
você toma a manteiga da mesa à mão armada,
você pensa que o status quo vai estar lá quando tiver acabado,
você compra o míssil, compra o laser, compra o tanque,
despeja a viúva, põe o dinheiro no banco,
você faz tudo em nome da economia: economia, economia, economia.

Bem, são apenas mentiras industriais,
escondidas atrás dos seus olhos.
Bem, são apenas mentiras industriais,
escondidas atrás dos seus olhos.

maximize
lucre
exploração
pegue o que quiser, deixe o resto para trás
pegue o que quiser, deixe o resto para trás

Um comentário:

victor disse...

muito foda!